28 de mar. de 2012

Apenas 4 motoristas foram multados em Curitiba por colocar ciclistas em perigo durante ultrapassagem





Alexandre Costa Nascimento (@irevirdebike)


De cada 500 mil multas de trânsito aplicadas em Curitiba, apenas uma tem como causa o descumprimento dos artigos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que protegem a vida dos ciclistas.
Entre 2009 e 2011, a autoridade municipal de trânsito – antiga Diretran, hoje Setran – autuou mais de 2 milhões de motoristas. O volume total de multas aplicadas cresceu em ritmo chinês, a uma taxa média de 15% ao ano.
Mas, somente em 4 ocasiões os agentes sacaram a caneta e bloquinho para fazer cumprir a lei e punir motoristas que desrespeitaram a distância mínima de 1,5 metro ao ultrapassar ciclistas, conforme determina o artigo 201 do CTB.
Neste mesmo período, nenhum motorista sequer foi multado por atropelar o inciso XIII do artigo 220, deixando de reduzir velocidade do veículo de forma compatível com a segurança ao ultrapassar um ciclista.
A falta de sanções não é necessariamente indicativo da inexistência de infrações dessa natureza em Curitiba. Ao contrário, ela revela a omissão do poder público em fazer cumprir a lei em favor dos ciclistas.
A conseqüência disso pode ser traduzida pelas estatísticas: nos últimos três anos, a capital paranaense contabilizou mais de 1,4 mil acidentes de trânsito que resultaram em ciclistas feridos e hospitalizados, uma média de 9 acidentes por semana, mais de um por dia, de acordo com o Sistema de Dados Operacionais do Corpo de Bombeiros do Paraná.
Nestes três anos, mais de 70 ciclistas perderam a vida nas ruas de Curitiba enquanto pedalavam. Na comparação com as outras capitais da região Sul, Curitiba é de longe a mais violenta e concentra 67% dos acidentes fatais, figurando como a 6ª capital mais perigosa para os usuários de bicicleta.
Apenas em 2011, ano em que absolutamente nenhuma multa foi aplicada por desrespeito aos artigo 201 do CTB, cerca de 20 ciclistas morreram no trânsito curitibano. Certamente, a maioria desses acidentes teria sido evitada e, talvez, a muitos desses cidadãos ainda estariam vivos e pedalando por aí se a lei do 1,5 metro fosse devidamente fiscalizada pelos órgãos responsáveis.

Reprodução/Setran-PMC

O ciclista tem do direito (e o dever) de trafegar nas ruas, no mesmo sentido de circulação da via e com preferência sobre os veículos automotores. É lei. Está lá no Código de Trânsito Brasileiro para quem quiser ler : desrespeitar a lei do 1,5 metro é infração grave, punida com 4 pontos e multa de R$ 85,13. Já ultrapassar ciclista com velocidade incompatível é infração grave, punida com 5 pontos e multa de R$ 127,69.
Pressupõe-se que todo motorista saiba disso, já que qualquer um deve passar por pelo menos 45 horas de um curso teórico antes de estar apto para dirigir. Ainda que não aprenda na auto escola, nem mesmo o desconhecimento de uma lei é argumento jurídico para justificar seu descumprimento. Se o motorista não respeita a lei, pondo em risco a vida de outros, é dever da autoridade competente “lembrá-lo” com uma autuação, que tem o papel punitivo e pedagógico, visando evitar a reincidência.
No entanto, quando isso não acontece, o resultado é catastrófico. É sociologicamente comprovado que a sensação de impunidade estimula o desrespeito às leis e, consequentemente, a criminalidade. Isso vale para qualquer situação. Mas, quando essa lógica é aplicada ao trânsito, a parte mais frágil, neste caso, os ciclistas, acabam pagando com a própria vida.

Reprodução/Internet

O secretário municipal de Trânsito, Marcelo Araújo, que assumiu a Setran em janeiro deste ano, argumenta que o que dificulta a aplicação da lei é justamente a “precisão milimétrica” do CTB, que define a infração como o limite de 1,5 metro. “A olho nu, o agente de trânsito não tem condições de saber se o motorista passou a 1,49 metro – comentendo uma infração – ou 1,51, oue já não a caracterizaria. Seria necessário algum tipo de equipamento para medir a distância dos carros e das bicicletas para poder fazer as autuações”, justifica.
O secretário ressalta ainda que, para comprovar a infração com uso de equipamentos, eles devem ser previamente regulamentados pelo Contran, além de aferidos pelo Inmetro.
Já no caso da velocidade incompatível, prevista no artigo 220, o texto é subjetivo e dá margem a interpretação do agente. “Essa infração independe de medição por equipamento, porém, o agente ao autuar deve fazer constar qual teria sido a situação que o fez entender a incompatibilidade da velocidade”, sustenta Araújo em um artigo sobre a questão.
Porém, apesar de ser mais flexível, nenhum motorista foi multado nos últimos três anos pode descumprir esse artigo, ao contrário dos quatro que o foram com base no art. 201, ainda que não se tenha conhecimento da utilização de qualquer instrumento capaz de medir com precisão milimétrica a distância de ultrapassagem.
Na dúvida, a Setran pode distribuir gratuitamente aos seus agentes um instrumento que não custa caro e tem precisão quase infalível: o bom e velho bom censo. E claro, cobrar a aplicação da lei, em especial a que visa proteger os mais frágeis e vulneráveis.
Omissão será investigada pelo Ministério Público
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou procedimento para apurar a omissão da CET e do Denatran na questão da fiscalização e aplicação do artigo 201 do CTB.
A ação foi proposta pela jornalista e cicloativista Sabrina Duran, do blog Na Bike. Junto à petição, foram anexados artigos e reportagens que mostram como essa omissão e o consequente desrespeito a lei do 1,5 metro está relacionado à morte de ciclistas em São Paulo.

Polly Rosa
Em São Paulo, Ministério Público instaurou procedimento para apurar omissão dos órgãos fiscalizadores.
O caso está sob responsabilidade da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, que já pediu a elaboração de ofícios a serem enviados aos órgãos municipal, estadual e federal de trânsito.
Os respectivos órgãos terão de se explicar sobre a acusação de omissão frente a aplicação do artigo 201 do CTB, provando que cumprem e aplicam a lei corretamente. O prazo oficial para que os órgãos respondam ao Ministério Público é de 45 dias, a contar do recebimento do ofício. A partir daí, o promotor poderá mover a ação, caso não fique satisfeito com as provas apresentas contrárias à denúncia.
A distância que aproxima
Confira os vídeos feitos pelo coletivo Cicloliga, de São Paulo, sobre o artigo 201 do CTB.
Vídeo 1
Vídeo 2

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